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Efeito Big Sur

Efeito Big Sur

12/01/2012

Um dia minha mãe chegou em casa com uma pilha de revistas velhas, que alguém estava para jogar no lixo, e ela achou que poderiam me interessar. Eram exemplares de "Os Caminhos da Terra", da Editora Abril. Em 2001, foi um prato cheio: eu era adepto do montanhismo, praticante de rapel e apaixonado por esportes de aventura, temas recorrentes nas páginas do periódico. Mas uma chamou mais atenção do que as outras. Era a edição 94, de fevereiro de 2000, que trazia como destaque de capa uma reportagem fotográfica sobre o Big Sur, um trecho da costa da Califórnia, EUA, famoso por suas praias deslumbrantes e selvagens.

Confesso que, à época, eu não era um grande adepto da leitura – queria mesmo era tocar guitarra e me pendurar com cordas em pontes e penhascos –, mas aquela revista eu devorei. Li e reli sobre a história do lugar e da Highway 1, estrada de mão dupla, com apenas uma pista, que é a única intervenção humana entre as íngremes montanhas da costa e o Oceano Pacífico. Trata-se de um trecho de aproximadamente 140 km repleto de curvas e paisagens épicas, muito bem retratadas nas páginas da revista. Um tipo de praia diferente do que estamos acostumados por aqui, mas que na verdade nem é praia. Só rocha, água gelada e a erosão.

Pronto, estava traçada mais uma daquelas metas do tipo "preciso fazer isso antes de morrer". Objetivo que logo de cara entrou no top 5, mas que foi perdendo a importância com o passar do tempo. Sabe como é, adolescentes mudam, e também suas prioridades, mas a ideia continuou na lista, talvez em uma posição não tão privilegiada, lá no final.

Cerca de dez anos depois – há pouco mais de uma semana –, tive a oportunidade de visitar o Big Sur e percorrer a Highway 1. Obviamente, quando planejei a viagem de férias, lembrei que tinha imensa vontade de conhecer a região. Mas só descobri o quão grande era essa vontade quando cheguei lá. Perplexidade é a palavra. Havia uma euforia, mas ao mesmo tempo não conseguia esboçar reação alguma. Deve ser a mesma sensação que experimenta uma tiete ao encontrar seu ídolo. Com a diferença que o que eu via não era um artista de cinema, um músico, um escritor ou um atleta; era o mar, montanha, mato e uma estrada. Eu não tinha como correr gritando, pedindo um autógrafo e dar um abraço, tecnicamente. O mais próximo da tietagem que se chega é tirar fotos, o que fiz sem moderação.

 

 

E o Big Sur é assim: depois de cada curva, é uma paisagem diferente, um frio na barriga diferente, pé no freio, seta para a direita e carro nos acostamentos de cascalho, onde o povo estaciona para fazer registros. Difícil andar mais de cinco minutos sem querer parar para uma nova foto. E assim fomos, às vezes lutando contra a vontade e deixando alguns cenários para trás, para não comprometer o cronograma.

Alguns pontos de parada mais famosos são pavimentados, com demarcação de estacionamento e uma amostra da mania dos americanos de querer colocar infraestrutura em tudo. Mas a maioria é apenas uma barriga na beira da estrada, às vezes grande o suficiente para caber apenas o carro, à beira dos despenhadeiros.

Em um deles, mais adiante em uma trilha, em meio ao mato e distante do asfalto, está um paralelepípedo branco de cantos irregulares, no qual lê-se, em inglês, a frase "aqui descansam as cinzas e a alma de Burt Acker", em uma belíssima homenagem sabe-se lá de quem, ou para quem. Impossível saber, mas não levou nem uma fração de segundo para preencher essas lacunas com a imaginação. Com certeza alguém que apreciava aquele local, aquela vista, e que algum dia também deve ter ficado sem fôlego com o cenário. Até pensei em fazer uma busca na internet com o nome, grandes chances de que haja alguma informação. Mas não me senti no direito. Afinal, o desfecho da história já estava contado ali, e certamente nenhuma descrição é capaz de reproduzir com exatidão a trajetória daquela pessoa até que eu a encontrasse, no formato de uma pedra. Texto nenhum poderia exemplificar o verdadeiro significado daquela frase para quem fez a dedicatória. Preferi ficar só com a beleza do gesto.

 

 

É só uma pedra com algo escrito, mas que faz você reavaliar a importância das coisas, pesar algumas prioridades e continuar em frente, talvez com uma mentalidade um pouco diferente. E só depois disso lembrei que eu riscava um item da minha lista de coisas para ver/fazer antes do descanso. Com certeza não fui o primeiro e nem o último a pensar assim. É interessante perceber que a grandeza e o esplendor do Big Sur fazem não apenas com que as pessoas queiram experimentá-lo uma vez na vida, mas são fortes o suficiente para que alguns optem por passar a eternidade por lá. E, de fato, não é uma má escolha.