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Comendo cação com Jimmy Cliff

Comendo cação com Jimmy Cliff

04/12/2012

"Você sabe o que é almoçar com Jimmy Cliff, cara, ele com a bata comprida com losangos coloridos, ideogramas de alguma língua africana sagrada atravessando o tecido, suas sandálias surradas revelando a unha do dedão do pé esquerdo meio quebrada como se tivesse topado com alguma coisa no caminho? Ele é uma figura bíblica, no melhor dos sentidos, uma entidade, tá me entendendo? Nervoso como um gambá atravessando um campo de tiro, tive que entornar uma, duas, cinco caipirinhas de mangaba antes de conseguir conversar. Ele não bebe nada além de um suco de maracujá com bastante gelo. Mastiga os pedaços de cação que põe na boca com reverência ao bicho morto, parece, e junta a massa de carne marítima com as sementes de maracujá que encontra perdidos na boca antes de engolir. Ou pode ter algum problema dental, mas acho que não é o caso.

Tudo começou em um jantar de um amigo em comum em Salvador, Bahia. Eu tinha que levar uma van até a Praia do Forte. Vamos, Mister Cliff? Te levo e você volta comigo de carro. Ele aceitou. Levou a esposa, uma pessoa muito amável e educada. Você vai mesmo dirigir depois de beber tudo isso? Não soube o que responder. Não. Tudo já está arranjado. Um amigo meu será o motorista. O carro inclusive é dele. Então eu te liguei e você estava de mau humor, porque tinha acabado de se separar e ela queria levar consigo a caixa da banda californiana dos anos 60 Love com ela, que você tinha presenteado de aniversário. Nada mais justo, mas você não se conformava com isso. 

Cassim, você não quis ser o motorista de Jimmy Cliff. Disse que estava sem carro, mas eu sei que na verdade, não queria mesmo era gente por perto. Pois então, seu merda, deixa eu te contar o que você perdeu por causa de sua patética pena de si mesmo. O cara me deu uma aula de vida. O cara me contou sobre sua convivência com Peter O'Toole, e me contou sobre como as coisas realmente eram na Jamaica, e como as coisas realmente eram na Londres dos jamaicanos. E sabe o que mais? Você e ele compartilham um interesse em comum: piratas. Ele sabe tudo sobre aquela turma, Capitão Morgan, esses tipos. Contei a ele sobre sua música. Eu disse que você era bem famoso, só para manter a conversa fluindo. Ele é amigo de Keith Richards. Eu disse que queria velejar da Bahia até Turks e Caicos e fazer uma visita a Keef, caso estivesse  por lá. Vamos combinar, ele disse, e quem sabe a gente faz uma visita juntos. Obviamente, porque você foi um crianção cheio de choramingos, não vou te incluir nessa, se acontecer. Você sabia que o Jimmy é fã de Bob Dylan?

Pra terminar, deixa te dizer que o Jimmy tem um projeto bem interessante e poderia te incluir nele, mas como você não quis ter essa experiência (conhecer uma das lendas do reggae e da música pop em geral) e preferiu ficar deprimido e mau humorado em sua casa na praia, perdeu esse bonde. Vou te dizer: o cara é firmeza. E muito bem humorado, ao contrário de você. Ah, vou te dar um único conselho: se quiser se dar bem na vida, arranje uma bata africana como aquela. Não tem erro."

Onze anos depois de receber essa mensagem de Franz Calcutá, soube através de sua meia-irmã que ele está vivo, na mesma Praia do Forte onde vivi e deixei de conhecer Jimmy Cliff. Ela recebeu um cartão postal dele, que teria jurado nunca mais se comunicar pela internet. A foto da correspondência é de uma tartaruga gigantesca do Projeto Tamar. Sua letra continua horrível.

Você já asistiu "The Harder They Come?" (1972), conhecido no Brasil como "Balada Sangrenta", com Jimmy Cliff? Dá uma olhada: 

http://www.youtube.com/watch?v=xGE4dnrPPZQ