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Beatles, Punks e Ken Kesey

Beatles, Punks e Ken Kesey

08/03/2013

Detalhe da capa de "O Teste do Ácido do Refresco Elétrico", de Tom Wolfe (1967).

Em 2004, a editora L&PM lançou no Brasil "Mate-me Por Favor" (Please Kill Me), um livro obrigatório para quem quer saber como surgiu o tal movimento punk. Seus autores, Larry "Legs" McNeil e Gilliam McCain, pintaram um panorama sobre essa nova onda que assolou o mundo nos anos 70 a partir de depoimentos transcritos da boca de gente como Iggy Pop, Patti Smith e John Lydon. Como a maioria dos bons lançamentos nesse país, ele não vendeu muito, mas teve um momento de sucesso, quando Supla foi visto o lendo no famigerado reality show  "Casa dos Artistas". Seu próprio editor no Brasil, Eduardo Bueno, me disse que a aparição do livro na TV aumentou suas vendas significativamente. Infelizmente, isso não durou muito tempo.

Já outro do gênero, e com um formato bem parecido, teve um bom desempenho editorial por aqui: "A Vida Fantástica dos Beatles - Me Ama, Tá?" (Love Me Do: The Beatles Progress). Lançado em 1964 nos Estados Unidos, ele foi editado no Brasil em 1967. Seu sucesso teve a ver com o fato de ter aparecido por aqui quando os quatro de Liverpool ainda agitavam suas cabeleiras. E também com a forma em que o autor, Michael Braun, o construiu. Ele acompanhou os Beatles em 1963 e 1964 em seus primeiros shows como celebridades pelo Reino Unido e Paris, além de estar com eles quando fizeram sua lendária primeira viagem aos Estados Unidos, aquela mesma na qual participaram do Ed Sullivan Show.

Braun tinha uma verdadeira amizade com os músicos e testemunhou em primeira mão um momento de transição em suas vidas. Diante de seus olhos, os jovens começaram a sentir na pele as maravilhas e os fardos da fama e da glória, enquanto ainda mantinham certo provincianismo e inocência juvenil em suas atitudes. O texto recheado de depoimentos orais fala de longas noites em quartos de hotéis, nas quais o tédio era quebrado pela eventual chegada da comida enviada da copa, do espanto de verem tanta gente do lado de fora de sua janela, do mau humor causado pela obrigação de irem a compromissos sociais em embaixadas britânicas & locais correlatos e das tentativas de entenderem o que realmente estava acontecendo com eles. Braun conta tudo usando as palavras de quem estava lá, fossem os próprios Beatles ou a fã prestes a desmaiar, no saguão de algum hotel. Capítulos começam com cartas apaixonadas das fãs, e sabemos o que passava pela cabeça dos envolvidos naquele momento de ascensão da banda, gente como o produtor Neil Aspinall, o empresário Brian Epstein e o assessor de imprensa Derek Taylor.

Falando em Beatles, no terceiro livro de minha lista, um grupo de malucos-beleza atravessou os Estados Unidos em um ônibus que tinha uma geladeira no fundo com garrafas de sucos de laranja cheias de LSD, e acabou assistindo a um show do quarteto fantástico de Liverpool no Shea Stadium, em Nova York. O livro em questão é "O Teste do Ácido do Refresco Elétrico" (The Electric Kool-Aid Acid Test), de Tom Wolfe. Lançado em 1968, ele narra a aventura transcontinental dos "Merry Pranksters", traduzidos para o Português como "Festivos Gozadores", em um ônibus colorido, dirigido por nada menos que o herói máximo dos beats, Neil Cassady. Wolfe participou da viagem, concebida e executada pelo escritor e visionário Ken Kesey, que a financiou com o dinheiro que ganhou com as vendas de seu livro "O Estranho no Ninho". Era 1965 e Kesey havia promovido testes do ácido pela costa oeste norte-americana, nos quais os participantes ganhavam uma dose da poderosa droga psicotrópica e eram convidados a viajar nas projeções de luzes e ao som de uma banda de improvisação, que acabou se tornando o Grateful Dead. Os eventos fizeram com que Kesey visse no LSD a redenção da América conservadora, e decidiu espalhar as boas novas pelo país ao lado de um grupo eclético de personalidades da contracultura, em uma jornada épica.

Interessante notar que ao chegarem no Shea Stadium para participarem do que seria por algum tempo o show com maior público que se tinha notícia, muita coisa já havia acontecido fora e dentro das cabeças dos envolvidos, e o ácido caiu mal quando associado à multidão de garotas gritando histericamente pelos Beatles. Pouco depois, o grupo fez uma parada na mansão de Timothy Leary, onde o mesmo conduzia suas próprias experiências psicodélicas. "O Teste do Ácido..." é um retrato de polaroid de uma época rica em transformações que ainda reverbera nos nossos dias.

São três livros não tão fáceis de se encontrar por aí, mas que valerão a busca. Recomendo.