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“A semana foi desprovida de acontecimentos significativos”

“A semana foi desprovida de acontecimentos significativos”

20/03/2013

Victor Navasky contratou Alexander Cockburn para trabalhar na revista “The Nation” em 1984. Na ocasião, comunicou imprensa e sociedade que o escocês “não tinha pontes a queimar nem vacas sagradas para respeitar”. Cockburn morreu no ano passado aos 71 anos sob uma saraivada de elogios de antigos desafetos. Ficou marcado por fazer história zombando do jornalismo americano. Navasky dirigiu a “The Nation” de 1978 a 1994, quando se mudou para a cátedra da Escola de Jornalismo da Universidade de Columbia, em Nova York. A revista fundada em 6 de julho de 1865 é a mais antiga em circulação nos Estados Unidos. “A semana foi desprovida de acontecimentos significativos” foi a primeira frase da primeira página da primeira edição impressa.

Professor do melhor curso de comunicação da atualidade, Navasky é também editor da revista “Columbia Review of Journalism” e defende que seus alunos tenham total independência política no zelo com a profissão, mas que exerçam ideologia com responsabilidade e apuração. Cockburn, pelo contrário, era um esquerdista destemido. Para ele, o que se entende por jornalismo internacional não passa de “salvas e salvas de clichês jogados na bagagem lotada de preconceitos dos leitores” e outras pérolas. Trabalharam juntos na ideologia da “The Nation”, notadamente heroica em mercado ferrenho.

A revista é independente dentro das proporções mínimas da lógica econômica e, segundo o próprio Navasky, trabalha no prejuízo desde a sua fundação. A tiragem é pequena. “Life” e “US Magazine”, por exemplo, vendem muito e vivem na montanha-russa do capitalismo. A lógica sempre foi trabalhar o jornalismo como ferramenta social de crítica e espaço de debate dos opostos. Apesar de se sustentar em defesa de ideias de esquerda.

A frase de sua fundação se fez valer essas últimas semanas. A coragem da sentença idem.

Dizer que nenhum acontecimento significativo aconteceu incorre facilmente no erro de um suposto desdém com as notícias, má vontade com a atualidade. Pelo contrário. O jornalismo que “The Nation” quer passa por uma ampla análise desse centro organizado de debate e convívio social, como uma grande Boca-Maldita ordenada sem “grosseirices”. Não é fácil. A revista luta contra bobagens de blogs cegos, jornais corporativos, leitores que exigem informação imediata, pessoas com opinião para tudo e todos, shownalismo na televisão e imagens de Facebook.

Não é fácil se manter, também, na locomotiva da história. Vide pelo menos dois grandes acontecimentos internacionais que tiveram repercussão imediata: morte de Hugo Chávez e conclave para a eleição de Jorge Mario Bergoglio como papa Francisco. A lógica da “The Nation” é um Ás na manga entre o equilíbrio da verdade e as margens de avaliação do passado, presente e futuro. Ao contrário, a imprensa de modo geral viveu dias de corrida por informação marginal e desnecessária, troca de mentiras e farpas ideológicas. Além da premissa de gente desinformada “pitacando” nas mídias sociais.

Aos diretores de redação, o dilema da seriedade ante interesses comerciais e ideológicos/imediatistas. Navasky, também um esquerdista, diz que seria fácil para ele reprimir George W. Bush como o pior presidente americano dos últimos 50/60 anos em decorrência da Guerra do Iraque e da economia em crise. Facilidade e jornalismo são processos de um ensaio de desconstrução, sobretudo, no qual recair na obviedade significa sempre enveredar pela ignorância. Cockburn ombudsman e “Nation” tratavam jornalismo como espaço do fim do conformismo assolado com “as visões simples dos dois lados da moeda” - o fazer e medir a situação, e outras obsessões de jornalistas sinceros as suas maneiras independentes.

O meio de campo, como um todo, não quer significância de acordo de verdade. As distâncias da discordância inteligente são mais sinceras. É disso, em tempos de Twitter e Facebook, que se trata o jornalismo que queremos e em grande parte não temos produzido. Fugir do escapismo do simples desgosto por uma situação ou do conformismo do clube de interesses (vide uma briga curitibana em particular). E fazer esse jornalismo passa obviamente por cultura de qualidade.

Ademais, é um posicionamento difícil. Em princípio, eu pensei em escrever sobre a possibilidade de me posicionar na discussão das touradas na Espanha mesmo pendendo pela extinção da cultura. A ideia me veio de um relato de um familiar que esteve em Valencia na semana passada acompanhado o certame. Ao menos é dessa busca que trata o jornalismo de observação da “Nation”, do Navasky e do Cockburn. Dizer que a semana teve poucas notícias, e que na prática elas não caiam no espetáculo da publicidade do próprio jornalismo da revista/TV/jornal.

Talvez aí escapemos também das águas de março.