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O fim do mundo por André Ducci

O fim do mundo por André Ducci

01/10/2013

“Virou um pequeno acontecimento, e eu nem sei por quê”, diz entre uma e outra cerveja o desenhista André Ducci, 36 anos, vinte deles dedicados a fazer histórias em quadrinhos. Ele está falando de Fim do Mundo, HQ cuja primeira parte foi publicada recentemente na página do artista, para em seguida ser descoberta pelas redes sociais. É uma HQ um pouco diferente do estilo tradicional de André, que costuma encher seus quadros de detalhes, em uma composição que ele mesmo define como “matemática”. No entanto, desta vez o desenhista optou por uma leitura que considera mais direta.

“Eu normalmente vou até o limite do que dá para por na pagina”, diz ele. “Mas Fim do Mundo é bem mais limpo. Eu não sei se foi isso que chamou a atenção, vai ver deu uma facilitada (risos). Eu vejo que as minhas outras histórias exigem mais das pessoas, demora até o olho acostumar.”

"Fim do Mundo"

Os quadrinhos de André abordam temas recorrentes: a anatomia dos personagens, a vida por um fio, o conflito com a natureza. “A coisa de anatomia está desde sempre no meu trabalho. Não sei se é por ser filho de médicos, mas já foi até mais forte. Uma vez precisei desenhar um coração e ficou uma porcaria (risos). Aí comprei um atlas de medicina e isso me influenciou muito.” 

"Esqueletos São Simpáticos"

“Eu gosto de como o livro de anatomia organiza as coisas. Se você vê um corpo aberto é uma meleca, é assustador, dá calafrios. Mas o livro deixa tudo certinho, lá fica bonito, cheio de linhas coloridas.” Segundo ele, é a mesma coisa que o atrai na natureza. “É uma continuação disso. É como o desenho científico de plantas, que não tem aquela suavidade de um artista querendo representar uma árvore. É uma coisa congelada, a representação cientifica dá uma impressão dura. Eu gosto disso.“

Insisto na temática do homem correndo perigo. Ele pega o copo e para um pouco para pensar. “Bom, não é todo mundo que se sente assim? Digo, de se sentir pequeno, lutando contra as coisas? Tudo é tão grande – tem que pagar as contas, tem que cuidar de uma filha, tudo isso é um desafio gigante. Você fica naquela de ‘será que eu sou páreo pra isso?’”

"Caçada"

Como em outros trabalhos de André, Fim do Mundo é sobre isolamento e solidão, mas também lida com algumas questões morais. “Gosto dessa coisa do homem pequeno e a natureza que engole o cara. Mas a história é muito sobre o meu ceticismo quanto à possibilidade de a gente crescer, procriar, viver, e todo mundo ter bem-estar social em um mundo tão sinistro. A segunda parte vai mostrar melhor que aquela conversa de “vamos salvar o planeta!” está mais para “vamos salvar a nós mesmos!” O planeta vai ficar aí mais um tempo.”

Apesar disso, André é rápido em explicar que não quis fazer uma “história ecológica” ou algo do tipo. “Eu tive receio que pudesse ser lida assim, quando na verdade é uma história sobre como estamos perdidos e que talvez não haja salvação. Eu queria que a história tivesse esse questionamento. Não é que eu ache isso, mas será que há algo que a gente possa fazer? A gente, obviamente, tem que tentar, não pode ser ‘dane-se, vamos usar tecnologia de carvão até ele acabar, vamos morrer em alto estilo!’ Mas, pô, quando nós formos 8 ou 9 bilhões de pessoas no mundo, todas vivendo e consumindo... “

"Fim do Mundo"​

O raciocínio é um pouco sombrio e não precisa de conclusão. Mas André faz questão de separar o fim da Terra e o destino final do homem, que para ele são coisas diferentes. "A história se chama Fim do Mundo porque se passa em um lugar longe, inóspito, mas também porque aquilo é o fim de tudo. Quando as pessoas falam de fim do mundo elas na verdade estão falando do fim da humanidade. O planeta já passou por vários apocalipses, se você parar pra pensar. Astronomicamente falando, o fim da Terra vai ser um choque de galáxia, a morte do sol, essas coisas pra daqui a bilhões de anos. É mais fácil a gente se aniquilar aqui antes e a Terra continuar. E esse lance de Apocalipse é uma constante, mas sempre é retratado de um jeito em que acaba sobrando alguém – aquele carinha de calção rasgado (risos). Sei lá, sempre sobra alguém. Mas se tiver alguém não vale, o fim do mundo não é isso. O fim do mundo é quando não tiver mais nada.”

Pergunto se ele tem medo do fim do mundo. A resposta vem de bate-pronto: “não, nenhum.” Sério mesmo?

“Bom, ele vai vir, eventualmente. O fim é inexorável. Então, pra que temer? (risos)” No que só nos resta fazer um brinde.

"Fim do Mundo"​